Por que?
A ideia de que a Ciência deve estar a serviço da sociedade não é nova e sempre orientou as práticas e as políticas de desenvolvimento científico e tecnológico dos países. Num cenário complexo, no qual nem sempre as perspectivas dos atores envolvidos são convergentes, um ponto de consenso nesta discussão é o de que atualmente não dispomos de modelos que permitam monitorar e avaliar os benefícios da ciência para a sociedade, além dos avanços acadêmicos.
Os modelos de avaliação da C&T acabam por reforçar uma lógica produtivista da ciência, na qual indicadores quantitativos são utilizados como critério de qualidade, principalmente no uso de métricas sobre a produção científica. Aplicados de forma isolada e descontextualizada, indicadores bibliométricos não são suficientes para expressar os reais avanços do conhecimento. O uso mais comum deste tipo de abordagem são os rankings comparativos entre instituições, pesquisadores e programas de ensino, os quais estabelecem um padrão de excelência da pesquisa e do ensino que negligencia grande parte do conhecimento produzido. Portanto, ainda que os rankinks sejam um importante instrumento de apoio à gestão da pesquisa e ensino, não são suficientes para identificar a contribuição da C&T no desenvolvimento das sociedades.
A crítica ao uso descabido de métricas bibliométricas e a necessidade de se ampliar a forma de monitorar e avaliar a ciência está expresso em recentes manifestos organizados pela comunidade cientifica a nível global, como o Manifesto de Leiden (2014 STI Conference), o San Francisco Declaration on Research Assessment, (DORA, 2012), o manifesto Slow Science (Academia Slow Sicence, 2010), entre outros. Dentre as principais limitações apontadas pela comunidade científica nestes manifestos podemos destacar: a incapacidade de cobertura de pesquisas orientadas para problemas locais e nacionais, a falta de resultados da pesquisa que diferem de artigos científicos, a falta de transparência e acesso para os dados primários e a falta de normalização dos indicadores. Neste cenário onde as restrições dos modelos vigentes precisam ser superadas, um grande desafio para instituições de pesquisa e ensino, agências de fomento e governos é ampliar sua capacidade de avaliação sobre os impactos sociais da pesquisa.
Como?
A Fiocruz tem se posicionado criticamente em relação a esta discussão e vem promovendo este debate por meio de diferentes iniciativas junto à comunidade científica, dentre elas destacam-se:
- Publicações especiais, a exemplo da edição de setembro de 2013 do Cadernos de Saúde Pública dedicado a este tema; - A aula inaugural de 2015, que teve como tema a crítica sobre modelos de avaliação da ciência e seu impacto na agenda de pesquisa, em conferência proferida pela pesquisadora Hebe Vessuri; - A publicação, em abril de 2015, da carta/manifesto pelo Fórum de Editores da instituição, na qual se critica a imposição de critérios por agentes como a Capes e a SciELO, visando a adoção da internacionalização da publicação científica como meta de todo periódico científico nacional; - O ciclo de debates preparatórios para o Seminário Educação, Saúde e Sociedade do Futuro, atividade conjunta com o Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), que teve como tema “A serviço de que(m) está a ciência feita no Brasil?”, em maio de 2015.
Muitas pesquisas desenvolvidas na instituição têm, de acordo com a sua natureza, sido apropriadas nas políticas, na prestação de serviços, no ensino e na gestão (leia entrevista com a pesquisadora Maria do Carmo Leal, coordenadora da pesquisa Nascer Brasil). Entretanto não contamos com mecanismos de monitoramento e avaliação deste tipo de resultado, de uma forma sistemática e padronizada, como fazemos, por exemplo, com a produção científica. Este é, sem dúvida, um debate complexo, sem respostas para questões como: quais são os indicativos para se monitorar e avaliar o impacto social; quais são as fontes de dados que devem ser utilizadas com esta finalidade; o impacto somente pode ser medido em longo prazo; como fazer com que os benefícios para a sociedade estejam contemplados desde a concepção da pesquisa, numa perspectiva indutiva, sem ferir a autonomia do pesquisador, entre outras.
Ainda que não tenhamos metodologias de avaliação dos impactos da pesquisa utilizados de forma padronizada globalmente (leia o artigo de opinião de Rafael Camelo sobre Métodos de mensuração de impacto social) diferentes propostas de indicativos vêm sendo elaboradas e aplicadas em experiências em todo o mundo. Para responder a este desafio é necessário promover estudos sobre este tema como parte da agenda estratégica de pesquisa da Fiocruz.
A implantação do Observatório em Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde abre uma nova perspectiva na avaliação dos resultados e dos impactos da pesquisa para a sociedade.O Observatório deverá adotar novas abordagens de monitoramento e avaliação que contemplem as especificidades, diversidade e complexidade da dinâmica de produção de conhecimento da Fiocruz, capazes de revelar os resultados da pesquisa e seu impacto para a sociedade. Para tanto é necessário promover estudos sobre este tema como parte da sua agenda estratégica de pesquisa.
Com o objetivo de identificar novos indicativos que possam mensurar os impactos das pesquisas em outras dimensões para além do acadêmico, como social, econômico, cultural, político, organizacional e na prestação de serviços, o Observatório coordena o projeto de investigação Impactos da Pesquisa: uma análise dos resultados dos Programas de Indução da Fiocruz. Como primeira etapa deste projeto foi elaborado o Infográfico com a sistematização de 8 modelos de mensuração dos impactos societais de pesquisa.
Esta é uma questão relevante para todos os atores envolvidos na Ciência e Tecnologia, gestores, pesquisadores, instituições de ensino, institutos de pesquisa e agências de fomento (leia matérias sobre iniciativas do CNPq e Fapesp). Esperamos que este Mosaico ajude a iluminar algumas questões e perspectivas para este debate tão relevante.