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Em entrevista, Carolina Bagattolli fala sobre política de ciência e tecnologia no Brasil

31/08/2016
Por : 
Márcia Tait

Carolina Bagattolli é economista e doutora em política científica e tecnológica pela Unicamp com pós-doutorado em andamento no Institut National de la Recherche Scientifique (INRS/Canadá). Atualmente é docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisadora dos grupos de pesquisa Grupo de Análise de Políticas de Inovação (DPCT/IGE/UNICAMP) e do Grupo Tecnologias Emergentes, Sociedade e Desenvolvimento (UFPR). Autora do livro Política Científica e Tecnológica e Dinâmica Inovativa no Brasil, Editora da Unicamp (no prelo).

Qual a importância da política de ciência e tecnologia, ela é importante? Na história recente do Brasil como se tem caracterizado esta política, ela tem adquirido menos ou mais relevância?

O papel da ciência durante a segunda guerra mundial mudou a percepção social sobre a ciência e a Estado - a descoberta da penicilina, a invenção do radar e da bomba atômica chamou a atenção do mundo para quão poderosa a ciência poderia ser. Em decorrência, desde então, países de todo mundo passaram a conceber políticas públicas específicas para a área. No Brasil não foi diferente: podemos observar as primeiras iniciativas na área já na década de 1940. A despeito de volatilidades observadas, nas duas últimas décadas ela passou a receber atenção e recursos crescentes. O desenvolvimento científico e tecnológico passou a ser associado ao aumento de produtividade e de dinamismo do setor produtivo, à melhora da balança comercial, geração de empregos e demais indicadores econômicos. Mais recentemente, passou a ser vista, inclusive, como via de promoção do desenvolvimento social.
Entretanto, nos últimos dois anos, em reflexo à instabilidade política observada no país, esta trajetória foi significativamente alterada. Os recursos para área (da concessão de bolsas à criação de institutos nacionais de pesquisa) foram reduzidos de maneira não desprezível. Sinal da deterioração da importância atribuída à área é a própria fusão do MCTI com o Ministério das Comunicações, o que gerou grande insatisfação entre a comunidade científica no Brasil.
 
Quais os principais atores responsáveis pelo financiamento das atividades de pesquisa e inovação no Brasil? E da sua execução?

No Brasil, em consonância com o que se observa em outros países periféricos, o principal financiador das atividades de C&T é o Estado. Mesmo quando se trata das atividades de P&D empresariais o financiamento público é preponderante.
 
Em geral sobre que aspectos políticos, sociais e econômicos uma política nacional de ciência e tecnologia aborda? Como caracterizaria esta política no Brasil?

Na última década e meia a política de C&T vem incorporando, entre seus objetivos específicos, a promoção de C&T para a inclusão social. Esta orientação, embora de suma importância, ainda é estritamente simbólica uma vez que não só os recursos direcionados a este propósito são bastante baixos (cerca de 4% do orçamento da Política) como boa parte das ações desenvolvidas são iniciativas de toda sorte que já vinham sendo desenvolvidas anteriormente, como inclusão digital e olimpíadas de ciências – para citar apenas dois exemplos. Embora estas sejam iniciativas de grande importância, parece inquestionável que, dada a grande magnitude dos problemas sociais que assolam o nosso país, que são ações bastante incipientes, não atuando sobre as raízes das questões mais problemáticas (saneamento, epidemias, doenças tropicais, convivência com a seca, etc.).
 
Muito se fala da importância da inovação para o desenvolvimento econômico e social. O Brasil inova muito, pouco? Que relação existe entre inovação e desenvolvimento econômico e social?

Desde os anos 1980, principalmente no âmbito da Economia, vem se ressaltando o grande potencial da inovação, principalmente a tecnológica, para o crescimento econômico e, quase que por efeito de transbordamento, para o desenvolvimento social. Esta leitura está presente não apenas em trabalhos acadêmicos, mas também em discursos e documentos de política pública. Entretanto, não existem métricas capazes de mostrar de maneira indubitável esta relação dada uma série de limitações: Como mensurar o conhecimento intangível gerado nestes processos? Como agregar os dados de forma a que se tenha alto grau de confiança sem perder a objetividade do mesmo? Como garantir que uma maior simplificação do indicador, facilitando o seu uso, não encubra importantes inconsistências? Além disso, em alguns casos, os indicadores não medem o que se propõem, ou medem proxies que não correspondem exatamente ao fenômeno que o indicador se propõe a mensurar. Ainda assim, a despeito das dificuldades em se comprovar estas relações, é a partir da crença na centralidade da inovação para o desenvolvimento nacional que os mais diferentes países do mundo passam a promover uma série de mecanismos de fomento com o intuito de estimular as empresas a inovarem.

Do ponto de vista empresarial, o que se observa é um baixo dinamismo tecnológico. As empresas industriais “brasileiras” (que atuam aqui, independente da origem do capital) inovam fundamentalmente por meio da aquisição de máquinas e equipamentos – aquilo que os analistas costumam chamar, de maneira bastante acertada, de modernização tecnológica.  Entre 1998 e 2000, 33% das indústrias no Brasil declararam ter realizado atividades de P&D (as principais responsáveis pela geração de conhecimento novo) para inovar. Entre 2009 e 2011 este percentual foi de 14%. Por outro lado, as que ‘inovaram’ por meio da aquisição de máquinas e equipamentos (aquisição de conhecimento incorporado) manteve-se estável em cerca de 64%. Esse comportamento se reflete no grau de novidade dos nossos produtos e processos: menos de 1% dos produtos e processos novos desenvolvidos pelas indústrias no Brasil é novo para o mercado mundial. A grande maioria trata-se de aprimoramentos de produtos e serviços já existentes ou novos apenas para o mercado nacional.
 
Sobre inovação e política de C&T para o setor de saúde considera importante colocar algum ponto específico? As pesquisas como PINTEC e/ou as políticas governamentais recentes indicam algo significativo sobre os processos de inovação neste setor?

Dado o tamanho do Brasil, as garantias à saúde garantidas pela nossa Constituição, consubstanciados no Sistema Único de Saúde – do qual, de acordo com o Ministério da Saúde, dependem estritamente cerca de 75% da população brasileira, me parece imprescindível avançarmos em pesquisas voltadas às patologias e epidemias típicas da nossa realidade e frequentemente negligenciadas. Além disso, avançar em estratégias de produção nacional de medicamentos hoje importados, como as desenvolvidas no âmbito das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo no Setor de Saúde, gerando maior autonomia nacional com redução de gastos por tratamento, parece de suma importância.

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