Os medicamentos genéricos, cópias de remédios cujas patentes já expiraram, são um dos principais responsáveis pelo crescimento da empresa farmacêutica EMS. Segundo dados da IQVIA, consultoria especializada na área da saúde, o laboratório é o maior do país em faturamento no mercado de fabricantes de genéricos, e lidera o mercado farmacêutico total (remédios de marca e aqueles vendidos para hospitais, clínicas e governo). “A EMS foi a primeira farmacêutica no país a produzir e comercializar genéricos, em 2000, e desde 2013 é líder isolada desse segmento”, afirma o vice-presidente institucional Marcus Sanchez. Agora, o objetivo é disputar o mercado de medicamentos resultantes de inovação radical, ou seja, da pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos princípios ativos. Com esse propósito, a EMS fundou, em 2013, a Brace Pharma, nos Estados Unidos, país que é responsável por mais de 70% do desenvolvimento de novos fármacos no mundo.
Situada em Rockville, estado de Maryland, a Brace Pharma recebe um investimento de U$ 300 milhões. Aplica 80% de seus recursos em projetos de fase clínica, com potencial para chegar ao mercado em até cinco anos, e 20% em projetos pré-clínicos, que podem estar disponíveis em até sete anos. Segundo Marcus Sanchez, a empresa está voltada, sobretudo, a medicamentos para doenças com “alto grau de necessidade médica não atendida e com opções de tratamento insuficientes”. Para atingir seus propósitos, a Brace firmou, até o momento, 12 parcerias nas áreas de oncologia, virologia, pneumologia, cardiologia, hematologia, entre outras.
Um dos objetivos da Brace é registrar terapias inovadoras primeiramente na Food and Drug Administration (FDA), agência que regula o comércio de alimentos e remédios nos Estados Unidos, e, na sequência, submetê-las ao registro e à aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e demais órgãos reguladores de outros países da América Latina. O primeiro produto da Brace deve ser protocolado ainda este ano. Trata-se de uma nova geração de óxido nítrico inalatório para doenças pulmonares e cardíacas que pode ser administrado por meio de um dispositivo portátil – hoje, o fornecimento de óxido nítrico para inalação se faz por meio de grandes cilindros de gás pressurizado. O produto está sendo desenvolvido em parceria com a norte-americana GeNO, uma biofarmacêutica, isto é, uma farmacêutica especializada em biotecnologia.
Medicamentos genéricos
Para Reinaldo Guimarães, ex-vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina), investir na área de biotecnologia é uma questão de sobrevivência das empresas do ramo farmacêutico. “A biotecnologia é o futuro da indústria farmacêutica. Ela está crescendo em ritmo acelerado e quem ficar só na síntese química vai perder muito mercado nos próximos 10 anos”, projeta o médico, que foi secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, de 2007 a 2010.
Na opinião do químico Adriano Andricopulo, professor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), a criação da Brace é uma das iniciativas mais promissoras do setor farmacêutico brasileiro nos últimos anos. “Será uma forma de desenvolver novos compostos e tecnologias utilizando o know-how americano, que é o mercado mais importante de P&D no mundo”, diz ele, que é coordenador de Transferência de Tecnologia do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP.
Andricopulo espera que os cientistas brasileiros se beneficiem, sobretudo, do intercâmbio com alguns dos renomados pesquisadores da atualidade no desenvolvimento de fármacos, que fazem parte do Comitê Científico da Brace: o prêmio Nobel de Medicina de 2000, Eric Kandel; Samuel Broder, codesenvolvedor dos primeiros medicamentos para o tratamento da Aids; Raymond Schinazi, descobridor de fármacos para hepatite e Aids; e Peter Hirth, que tem experiência em biotecnologia como pesquisador e executivo de farmacêuticas norte-americanas. “Mas seria interessante também conseguir que projetos de inovação radical ocorressem no Brasil, por meio de transferência de tecnologia entre empresas e universidades”, diz o químico, que é ex-presidente da Sociedade Brasileira de Química.
Inovação incremental
Além de tomar a decisão de investir na Brace Pharma, a EMS tem apostado também no desenvolvimento de genéricos de alta complexidade, medicamentos que exigem o desenvolvimento de novas metodologias analíticas para comprovação de sua eficácia.
Um dos genéricos de alta complexidade presente no portfólio da empresa é a ciclosporina microemulsão genérica, um imunossupressor utilizado no combate à rejeição de órgãos transplantados. Segundo Marcus Sanchez, esse medicamento é produzido exclusivamente pela EMS em toda a América Latina há mais de 17 anos, constituindo-se em um dos principais produtos exportados pelo laboratório para outros países.
A empresa tem atuado também no campo da inovação incremental, procurando formulações mais eficientes para medicamentos de referência (produto inovador, registrado e comercializado no país, cuja eficácia, segurança e qualidade foram comprovadas cientificamente). É o caso, por exemplo, do Patz SL, lançado em 2012 e desenvolvido a partir do princípio ativo zolpidem, usado para insônia. No lugar da tradicional administração do comprimido, a farmacêutica criou uma versão sublingual, na qual o medicamento vai direto para a via sistêmica, o que permitiu ao laboratório usar metade da dose, com efeito mais rápido.
Outra forma de inovação incremental tem sido a associação de diferentes princípios ativos, como a que a EMS fez para o desenvolvimento do medicamento Esogastro IBP, utilizado no combate da Helicobacter pylori, bactéria que provoca gastrite crônica. A empresa reuniu, exclusivamente, em uma mesma formulação, o esomeprazol, para controle da acidez gástrica, e dois antibióticos (a amoxicilina e a claritromicina), criando um medicamento novo a partir de princípios ativos já bastante conhecidos.
A inovação incremental e os genéricos de alta complexidade estão sendo desenvolvidos no Centro de P&D da EMS, que tem recebido investimentos anuais de 6% do faturamento da empresa. No ano de 2016, o faturamento total foi de R$ 10,7 bilhões. “Atualmente, a empresa, por meio de sua P&D, tem cerca de 50 projetos em diversas fases de desenvolvimento, com uma meta de ter de 12 a 15 novos projetos finalizados ao ano”, afirma Sanchez.
O Centro de P&D tem cerca de 400 pessoas – entre pessoal administrativo, técnicos e pesquisadores – e está localizado no complexo fabril de Hortolândia, no interior paulista, onde fica também a sede da empresa. Além de Hortolândia, a EMS tem fábricas em São Bernardo do Campo e Jaguariúna, ambas em São Paulo, Manaus (AM) e Brasília (DF). Juntas, as cinco unidades empregam 5 mil pessoas e têm capacidade total para produzir 1 bilhão de caixas de medicamentos por ano.
Cooperação com a OMS
A EMS exporta para mais de 40 países, sobretudo do continente europeu. Em breve, seus medicamentos também chegarão a países da África, da Ásia, da América Latina e do Pacífico afetados pela bouba, uma infecção provocada pela bactéria Treponema pallidum pertenue e classificada entre as Doenças Tropicais Negligenciadas. Em abril de 2017, a EMS oficializou um acordo de cooperação com a Organização Mundial da Saúde (OMS) para a doação, apenas no primeiro ano de parceria, de 40 milhões de comprimidos do antibiótico azitromicina, que serão usados em uma ampla campanha de erradicação da doença no mundo.
Até 2012, a bouba – doença que lesiona a pele e, nos casos mais avançados, também ossos e cartilagens – era tratada com injeções de penicilina benzatina. Descobriu-se então que uma dose única de azitromicina por via oral elimina completamente a doença.
Pela facilidade de administração desse tratamento, que dispensa a necessidade de pessoal treinado na aplicação das injeções, a OMS espera erradicar a bouba até 2020.
No ano passado, a companhia também realizou uma doação ao Hospital do Rim, em São Paulo. Forneceu mais de 40 mil comprimidos de micofenolato de sódio, indicado para prevenir a rejeição de órgãos transplantados. Esse medicamento é um genérico de alta complexidade desenvolvido a partir de uma parceria com o laboratório italiano MonteResearch.
“Essas doações constituem-se ativos intangíveis da empresa, um investimento na imagem institucional que não chega a arranhar o orçamento”, diz Reinaldo Guimarães, ex-vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades. Segundo o especialista, as doações não se revertem diretamente em contratos ou privilégios dentre os concorrentes, mas são ações de ética empresarial que devem ser replicadas, sempre que possível.
Matéria originalmente publicada no site Pesquisa Fapesp.