A esporotricose sob forma de zoonose é rara. Entretanto, desde 1998, está ocorrendo em áreas carentes do município do Rio de Janeiro e arredores, a maior epidemia mundial zoonótica de esporotricose transmitida pelo gato. Desde o início da epidemia o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas/Fiocruz foi o único centro estruturado de atendimento clínico, laboratorial e fornecimento de tratamento gratuito no estado, o que pode refletir os casos do Rio de Janeiro. Foram estudados 759 casos no período de 1998 a 2004 e observadas, além das formas clínicas clássicas de esporotricose (linfocutânea, cutânea fixa), formas pouco usuais como cutânea disseminada, acometimento de mucosa conjuntival e manifestações de hipersensibilidade, como eritema nodoso e eritema multiforme. Este estudo teve como objetivo avaliar clínica, epidemiológica e evolutivamente os pacientes com esporotricose cujo diagnóstico foi realizado por isolamento do fungo em cultivo e com primeiro atendimento entre janeiro de 2005 e dezembro de 2008. Foram avaliados 804 pacientes sendo que 49,0% eram provenientes do município do Rio de Janeiro (de bairros das zonas norte e oeste da capital) e o restante principalmente de Duque de Caxias, São João de Meriti, Nova Iguaçu, Nilópolis e Mesquita. A coinfecção pelo HIV ocorreu em 1,7% dos casos. As mulheres entre a 4ª e a 6ª década de vida e com atividades domésticas foram a principal população afetada e o contato com o gato doente ocorreu em 86,7% dos pacientes. Os gatos tiveram destino inadequado por parte de seus donos em 71,0% dos casos. A forma clínica linfocutânea ocorreu em 65,8% dos pacientes, a fixa em 25,4%, cutânea disseminada em 7,2% e disseminada em 1,5%, sendo a mucosa conjuntival o principal foco extracutâneo. Os membros superiores foram o segmento do corpo mais afetado. As principais manifestações inflamatórias foram artralgia (29,6%), eritema nodoso e eritema multiforme. Excetuando esta última, estiveram associadas ao gênero feminino. Houve cura de 718 (89,3%) pacientes, 90 (11,2%) por cura espontânea. Os dois principais fármacos utilizados (itraconazol 100mg/dia e terbinafina 250mg/dia) apresentaram taxas de cura acima de 80,0%, com duração média de uso de 12,0 e 13,4 semanas, respectivamente. Crioterapia foi utilizada como terapia adjuvante em 53 (6,6%) pacientes, com bons resultados. Durante o tratamento, seis pacientes foram hospitalizados e destes, dois (0,2%) foram a óbito. Em relação ao seguimento, a recidiva ocorreu em 13 (1,6%) e houve abandono por 73 (9,1%) pacientes. Conclui-se que a esporotricose de transmissão zoonótica no Rio de Janeiro manteve o mesmo padrão epidemiológico, sócio-demográfico e clínico, quando comparado aos anos anteriores. Entretanto observa-se um crescimento médio anual de 85,0% dos casos, assim como uma ascensão na população com infecção pelo HIV. Atribuem-se estes incrementos a um programa ineficaz para controle da esporotricose felina.